Coronavírus: aceitar o imprevisível abre oportunidades
Esta crise de saúde causada pelo coronavírus e o confinamento que ela nos impõe podem ser vistos como uma oportunidade de repensar nossas vidas e nossos valores, individual e coletivamente.
Vivemos um momento sem precedentes na história. A sensação de vivenciar coletivamente um momento histórico, mas em um cotidiano reduzido ao horizonte das paredes de nossos apartamentos, de nossas casas. Um sentimento muito opressivo para muitos de nós. A perspectiva de Frédéric Lenoir sobre isso é interessante. Este sociólogo, escritor e palestrante francês nos convida, além da compaixão por aqueles que estão na linha de frente das tragédias que estamos vivenciando, a enxergar as oportunidades nesta crise. Também está disponível para ouvir como podcast em nosso mural de sons.
Este é um momento muito paradoxal, repleto de experiências coletivas sem precedentes, transfronteiriças e de confinamento pessoal dentro de casa. Qual é a sua perspectiva sobre esta crise?
Frédéric Lenoir. A palavra "crise" em chinês é representada por dois caracteres que significam perigo e oportunidade. Em uma crise, há sempre a possibilidade de mudança, de nos abrirmos para algo novo, de compreendermos suas causas e tentarmos aprender com ela. Pode ser um despertar que nos permite viver de forma diferente, tanto individual quanto coletivamente. Mas antes de refletir sobre essas oportunidades, gostaria de expressar a profunda compaixão que sinto por todos aqueles que estão doentes e vivenciando ansiedade. Por aqueles que estão vivenciando o confinamento em condições muito difíceis, seja por estarem sozinhos ou por serem muitos em um espaço pequeno. Por todos aqueles que continuam trabalhando enquanto se expõem: caixas, coletores de lixo, policiais... e, claro, os profissionais de saúde que estão esgotados e arriscando suas vidas por falta de proteção. Sinto muita compaixão por aqueles que sofrem com esta crise.
Que oportunidades você vê no nível individual?
Quando nos sentimos desestabilizados, quando saímos da nossa zona de conforto, dos nossos hábitos, pode ser uma oportunidade para dar um passo para trás, para nos distanciarmos um pouco mais. Podemos aproveitar este tempo de confinamento para refletir sobre as nossas vidas, introspectar, saborear os nossos estados de espírito. Se lermos um livro, tentemos meditar sobre o que ele nos traz e identificar que novas emoções e pensamentos desperta. Raramente temos tempo para isso. É importante experimentar estes momentos de desaceleração. Aproveitemos esta crise como uma oportunidade para refletir sobre nós próprios e, claro, também para dar mais atenção aos nossos entes queridos: passar mais tempo com a nossa família, brincar e interagir com os nossos filhos, falar ao telefone durante mais tempo com os nossos amigos sobre as coisas mais essenciais das nossas vidas.
As pessoas são afetadas pelo estresse dessa mudança na vida pessoal ou profissional, como podemos reduzir esse estado?
A ruptura em nosso modo de vida traz consigo sua parcela de estresse. A melhor maneira de combater isso é aceitar a situação. Tenho falado sobre isso em meus livros há mais de vinte anos: devemos deixar ir quando não podemos mudar uma situação. Os estoicos nos lembram de distinguir entre o que depende de nós e o que não depende. Vamos tentar agir com base no que depende de nós, mas quando nos deparamos com algo que não podemos mudar, é melhor aceitar com alegria do que ficar com raiva e resistir. Se resistirmos, sofreremos o dobro. Ficaremos estressados, ansiosos. Pelo contrário, se encararmos uma dificuldade como uma oportunidade, isso desenvolve flexibilidade, um desapego, a capacidade de acompanhar o movimento imprevisível da vida. Para muitas pessoas, viver com a incerteza do amanhã é angustiante, ao passo que, se aceitarem viver essa realidade, sua ansiedade e estresse diminuirão.
Fácil de dizer... Mas como podemos ajudar as pessoas a simplesmente acessarem esse desapego?
A técnica mais conhecida que facilita o desapego é a meditação. Ela nos ensina a desapegar da mente, dessa agitação constante de pensamentos que mantém o estresse. Ela nos ajuda a estar presentes no momento, a acolher a realidade sem julgamentos. Para aqueles para quem esse exercício parece difícil, podemos usar uma qualidade humana universal que nos ajuda muito a ganhar perspectiva: o humor. O humor nos distancia da tragédia da existência. Nas redes sociais, circulam atualmente vídeos muito engraçados que nos permitem criar comunicação social e nos distanciar da provação coletiva pela qual estamos passando. Brincar, brincar, zombar de nós mesmos é uma ótima maneira de desestressar.
E para as crianças, você ainda defende a filosofia?
Com a associação Sève, criei oficinas de filosofia que estão se expandindo por todo o país e permitem que as crianças digam o que pensam, expressem seus pensamentos pessoais e desenvolvam seu pensamento crítico. Neste momento, podemos discutir com as crianças em família o que elas pensam sobre a situação: o que é angustiante e o que pode ser positivo na crise que estamos atravessando? Como faremos depois? Quando damos voz às crianças, percebemos que elas costumam ser cheias de sabedoria. Mas é importante que todos exercitem o pensamento crítico neste período em que rumores e teorias da conspiração florescem nas redes sociais. É essencial debater e exercer o discernimento individual e coletivo sobre as soluções propostas para combater o vírus.
Por mais essencial que seja a união e a disciplina, e em particular o respeito às instruções de confinamento, não devemos abdicar da nossa liberdade de pensamento e debate. Acredito, por exemplo, que o Professor Raoult (de Marselha) fez bem em não se conformar e divulgar publicamente os seus resultados sobre o tratamento com cloroquina, sobre os quais os figurões parisienses não queriam ouvir falar. Ele está a ser cada vez mais ouvido e muitos hospitais decidiram não seguir as instruções de cautela do governo, tendo em conta a urgência dos casos a tratar e os resultados convincentes já obtidos com este tratamento antigo e muito barato.
O que vocês estão pensando coletivamente?
Vivemos em um sistema onde tudo está interconectado, para o bem ou para o mal. O pior? Poluição, uma usina nuclear explodindo, um novo vírus, mudanças climáticas, uma quebra da bolsa de valores, etc. Estamos no mesmo barco; precisamos perceber isso. Isso também pode levar à tomada de decisões para que não dependamos uns dos outros, como acontece agora.
Em que soluções você pensa?
Cuidado com a fragilidade da globalização e, em certos casos, especialmente quando a saúde pública está em jogo, voltemos à solução nacional ou local. Por que enfrentamos uma escassez dramática de máscaras, inclusive para profissionais de saúde? Porque temos estoques limitados por razões contábeis, concentrando tudo na produção. No entanto, nossa capacidade de produção nacional é quatro vezes menor do que as necessidades e o governo francês contava com a importação de máscaras fabricadas no exterior em caso de pandemia... o que é absurdo, já que em tal situação, todos os Estados se apropriam das máscaras fabricadas por suas indústrias. Este é apenas um exemplo entre muitos outros. Essa fragilidade da interdependência global deveria nos fazer refletir.
As decisões radicais das autoridades em relação ao vírus não colocam em questão a real vontade dos políticos em questões ecológicas?
As autoridades estão tomando decisões extremamente voluntárias em relação ao confinamento, à limitação de transportes, ao teletrabalho e a outras medidas que têm consequências imediatas, lamentáveis para a economia, mas muito positivas para o planeta. Há menos poluição atmosférica e podemos ouvir novamente o canto dos pássaros! Por isso, questionamo-nos por que não poderíamos tomar medidas muito mais proativas em prol do meio ambiente? Porque este é o maior desafio do nosso tempo! O coronavírus é um grave problema de saúde, mas se não fizermos nada para reduzir o aquecimento global, não teremos dezenas de milhares de mortes, mas centenas de milhões em escala global! Talvez seja a própria sobrevivência da espécie humana que esteja em jogo, segundo muitos cientistas. Os políticos têm constantemente os olhos postos no curto prazo e não tomam medidas fortes e essenciais face à tragédia do aquecimento global.
Para onde os esforços devem ser direcionados?
Como disse Nicolas Hulot quando estava no governo, precisamos acabar com esse sistema de paliativos ecológicos e nos comprometer, sem mais delongas, com uma transição ecológica genuína e inclusiva. O governo não seguiu essa ideia e corajosamente assumiu as consequências, demitindo-se. Esta crise nos mostra que, se tivermos vontade, podemos tomar medidas muito mais radicais. O Banco Central Europeu acaba de liberar mais de um trilhão de euros para ajudar a economia. Se liberássemos a mesma quantia para a ecologia, poderíamos, por exemplo, desenvolver massivamente as energias renováveis ou mudar nosso modelo agrícola produtivista, extremamente poluente e deficitário, ajudando agricultores e pecuaristas a se converterem em massa para a agricultura orgânica e de qualidade. Percebemos que somos capazes de mudar nossos estilos de vida e fazer mudanças muito significativas nas políticas públicas para este vírus. Não poderíamos fazer o mesmo para uma questão muito mais importante, a da crise ecológica?
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