Entrevista publicada no Nouvel Observateur em 15 de abril de 2010 —
O diretor de "Le Monde des religions" explica a resistência histórica do catolicismo à modernidade e pede uma renovação profunda —
Le Nouvel Observateur. O escândalo da pedofilia é uma controvérsia a mais para Bento XVI?
Frédéric Lenoir. – Se você menciona a renúncia do papa, eu não acredito nem um pouco. Aconteceu duas vezes na história, mas nunca após escândalos, e Deus sabe que houve alguns! No século XIII, Celestino V, um santo eremita eleito aos 84 anos, renunciou cinco meses após sua eleição, diante do peso de uma responsabilidade que se sentia incapaz de assumir. Ele foi canonizado. No século XV, Gregório XII abdicou para pôr fim ao grande cisma que dividiu o cristianismo por quarenta anos, com um papa em Roma e outro em Avignon. Mas não é costume na Igreja que um papa renuncie sob pressão da opinião pública, e muito menos da mídia. É verdade, porém, que o pontificado de Bento XVI, apesar de sua postura em prol da partilha e da justiça social, é ainda mais enfraquecido por essas novas revelações, pois elas surgem em meio a uma série de controvérsias, das quais a mais poderosa foi, sem dúvida, suscitada pela reintegração de extremistas fundamentalistas, incluindo o bispo Richard Williamson, que nega o Holocausto, e pela excomunhão da mãe brasileira que teve sua filha estuprada abortada. Nos casos de pedofilia que estão sendo divulgados hoje, há dois escândalos: a agressão sexual da qual os padres foram culpados, mas também o silêncio da hierarquia, que preferiu permitir que crianças fossem sacrificadas em vez de denunciar os padres, a fim de evitar um escândalo público.
NÃO – O Papa é diretamente afetado por este caso ou é vítima de uma conspiração midiática, como alguns dizem?
F. Lenoir. – A teoria da conspiração é um reflexo da defesa comunitária. Figura-chave no Vaticano por dez anos, primeiro como "prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé" e depois como Papa, Joseph Ratzinger tem uma atitude e um discurso impecáveis sobre o assunto. Mas é difícil acreditar que ele não tivesse conhecimento de nada. As revelações do "New York Times" mostram que, em meados da década de 1990, ele não respondeu aos apelos urgentes de um bispo americano que lhe pediu para cassar um padre pedófilo que havia estuprado 200 crianças surdas. Isso dá o que pensar. João Paulo II também pode ser afetado pela controvérsia, e alguns vaticanistas italianos acreditam que sua canonização ficaria comprometida se fosse comprovado que ele tomou a decisão de encobrir casos de pedofilia nas décadas de 1980 e 1990.
NÃO – Todos esses escândalos demonstram que a Igreja é incapaz de acompanhar os tempos?
F. Lenoir. – É preciso voltar ao século XVI, à Reforma Protestante, para compreender o movimento de fechamento da Igreja em relação aos valores do mundo moderno. O cisma protestante foi um choque tão violento que deu início ao movimento da Contrarreforma iniciado pelo Concílio de Trento. Este teve duas vertentes: primeiro, o desejo de redescobrir os valores evangélicos fundamentais esquecidos pelo alto clero da época. Mas, paralelamente a essa salutar reforma dos costumes, a Igreja Romana iniciou um segundo movimento, este sobre a identidade, que visava estabelecer como elementos fundamentais da fé tudo o que os protestantes rejeitavam: o Papa, o direito canônico, os sacramentos, a missa latina, o magistério, etc. É assim, nesse movimento de retirada defensiva, que nasceram os símbolos mais poderosos do catolicismo, como a maioria das pessoas ainda o imagina hoje. O primeiro catecismo da história da Igreja Católica foi publicado em 1566, após o Concílio de Trento, no qual "as verdades da fé" foram decretadas em reação às doutrinas protestantes e humanistas. A Igreja Católica sofreu um segundo choque nos séculos XVIII e XIX com a Revolução Francesa, o Iluminismo e o advento das democracias modernas, que a levaram a perder seus Estados Pontifícios (com exceção da pequena Cidade do Vaticano) e seu papel dominante na sociedade. Ela continuará então a lutar contra os valores da modernidade e condenará veementemente, como o Papa Pio IX em seu "Syllabus" (1864), "a perversão das ideias modernas": a separação entre Igreja e Estado, a liberdade de consciência e de culto, os direitos humanos, a liberdade de expressão, o casamento civil, o socialismo, etc. Todos os autores, mesmo católicos, que expressam a menor divergência de pontos de vista com o dogma são colocados na lista negra, de Copérnico a Freud, passando por Descartes, Pascal, Kant, Flaubert e Victor Hugo. Muita coisa mudou desde então, mas na mente dos católicos mais conservadores, incluindo o atual Papa, a modernidade continua sendo o lugar de todos os perigos, a começar pela sua visão pluralista do mundo.
NÃO – Apesar do parêntesis liberal do Vaticano II (1962-1965), e de certas posições tomadas por João Paulo II…
F. Lenoir. – O Vaticano II foi um ponto de virada profundo: a Igreja emergiu dessa lógica de bunker ao aceitar a separação de poderes, ao reconhecer os direitos humanos, a liberdade religiosa e o valor das religiões não cristãs. Mas, assim que o Concílio terminou, parte da hierarquia temeu que o vento de esperança suscitado entre muitos católicos pelo Concílio se tornasse uma tempestade que varreria os fundamentos da fé e da moral, particularmente com a revolução moral do final da década de 1960. Em 1968, o Papa Paulo VI publicou a encíclica “Humanae Vitae”, que condenava a contracepção, o que levaria à insatisfação de muitos fiéis. No outro extremo, os fundamentalistas, fixados nos fundamentos do Concílio de Trento, dividiram-se em torno do Arcebispo Lefebvre. João Paulo II tentou resolver esses conflitos mantendo-se inabalável em questões de moralidade sexual, ao mesmo tempo em que realizava gestos extraordinários de abertura em relação a outras religiões. Seu carisma mascarou contradições internas por um tempo e deu a impressão de que a Igreja havia emergido da crise. Mas a eleição de Bento XVI evidenciou claramente que a maioria da hierarquia católica permanece conservadora e, em última análise, mais próxima dos tradicionalistas do que dos liberais, que são infinitamente mais numerosos na Europa e nos Estados Unidos.
NÃO – A obrigação do celibato sacerdotal também não evoluiu…
F. Lenoir. – O celibato sacerdotal não era, de forma alguma, originalmente um ideal imposto. Além disso, padres ortodoxos e pastores protestantes podem ter esposas. Foi o Concílio de Latrão, em 1123, que impôs o celibato, mas por razões patrimoniais, de forma alguma teológicas! De fato, no século XII, a lei feudal mudou e a Igreja não queria que padres casados passassem propriedades eclesiásticas para seus filhos. Uma pesquisa recente mostra que, na França, 80% dos católicos praticantes são a favor da ordenação de homens casados. Mas Roma se opõe a isso. Por quê? Primeiro, por razões econômicas não reconhecidas: a Igreja não pode sustentar centenas de milhares de famílias sacerdotais em todo o mundo! Depois, porque ela quer permanecer fiel ao ícone do padre celibatário erguido como modelo durante a Contrarreforma diante dos pastores casados.
NÃO – Um novo concílio – um “Vaticano III” – é desejável hoje?
F. Lenoir. – Um novo concílio não mudaria muita coisa. Como os bispos atuais foram todos nomeados por João Paulo II e Bento XVI, não há, na minha opinião, nenhuma reviravolta a ser esperada na próxima década. A verdadeira reforma da Igreja, se alguma vez acontecesse, consistiria em levar em conta a evolução das mentalidades em questões como o lugar da mulher – como outras organizações religiosas, a hierarquia católica permanece bastante misógina – ou a moral sexual: a sexualidade ainda é considerada um ato voltado exclusivamente para a procriação. A instituição também teria que ser dessacralizada. A Igreja, como organização, é necessária para transmitir a fé, mas se quiser recuperar seu impulso inicial, deve ser pobre e estar a serviço da mensagem que transmite. No entanto, desde o século IV e a conversão de Constantino, ela tem sido modelada na antiga administração romana. Como explico em meu último livro, o poder religioso foi dividido durante os primeiros quatro séculos entre cinco patriarcados: Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Roma e Constantinopla. Mas os últimos imperadores romanos, Constantino e especialmente Teodósio, fizeram do Bispo de Roma o Papa como o conhecemos, isto é, o único chefe de toda a cristandade, e o cristianismo romano tornou-se uma administração gigantesca com seus ministérios, seu direito canônico, etc. O Papa teria que renunciar à concentração de poder de que desfruta para retornar ao cristianismo mais pluralista das origens, no qual Roma tinha simplesmente uma primazia de honra como sede do Apóstolo Pedro. As Igrejas cristãs — Católica, Ortodoxa e Protestante — seriam assim reunidas. Finalmente, a renovação deve se aplicar ao direito canônico. Essa regulamentação da Igreja é a antítese da mensagem de Jesus, que lutou vigorosamente contra o legalismo religioso: recordemos o episódio da mulher adúltera nos Evangelhos. Quando você pensa que o direito canônico excomunga de fato qualquer pessoa que pratique um aborto, seja qual for o motivo! E que nem sequer excomunga os autores de crimes de pedofilia. Esse tipo de aberração torna-se insuportável para muitos fiéis, que, no entanto, são muito apegados à Igreja. Se houvesse um novo concílio, seria um belo símbolo se não fosse realizado no Vaticano, mas em Jerusalém, onde a aventura cristã começou.
Fonte: Nouvel Observateur Hebdo Data de publicação: 15/04/2010
Número de publicação: 2371
Páginas: 20 a 22
Autor: Eve Roger